A EFICÁCIA SOCIAL DA CONSTITUIÇÃO DE 1988 NO CAMPO: DIÁLOGOS COM OS SERTÕES DE EUCLIDES DA CUNHA

Antonio Sá da Silva, Bernardo G. B. Nogueira

Resumo


Quando Euclides da Cunha mergulhou no sertão da Bahia, numa missão jornalística que acompanhou a repressão do Exército à insurreição social comandada por Antonio Conselheiro, foi acometido de um forte estranhamento: aquele era um outro Brasil, sequer imaginado por um jovem citadino como ele, instruído nos ideais positivistas de seu tempo. O poeta-repórter denunciava, já no
limiar do “novo regime”, o divórcio entre os princípios da república e a Guerra de Canudos: o sertanejo nunca estivera e continuava a não estar no mapa das políticas estratégicas do governo. Decorridos 120
anos do episódio e 30 anos da Constituição Cidadã de 1988, o abismo social que separa as condições de vida do campo e da cidade continua a existir; se é verdade que a precariedade das condições de trabalho não se restringe à atividade rural, importa reconhecer que ali os direitos sociais têm uma eficácia menor do que ocorre na cidade: é o que se passa na proteção ao trabalho, no acesso à saúde e à educação, na atenção das políticas de desenvolvimento, etc. As legislações trabalhista e previdenciária, inclusive, têm sido fragilizadas nos últimos tempos a ponto de se admitir, explicitamente, uma discriminação negativa para o homem do campo. Sendo assim, o objetivo de nossa pesquisa é chamar a atenção para a urgência de tornar efetivos os ideais da república e da Constituição, no sentido de promover o desenvolvimento
social e econômico da atividade rural. A metodologia adotada, para além da análise de dados sobre a precariedade dos direitos sociais no campo, aproveita o recurso interdisciplinar do Direito e Literatura
(Literature as Law) no sentido em que Martha C. Nussbaum tem estimulado a fazer: os poetas são os melhores árbitros da vida pública, visto que por meio da imaginação (narrative imagination), levam-nos a pensar outros mundos (como Euclides da Cunha faz) possíveis. Mais do que a dimensão estética que lhe é própria, a Literatura tem um alcance crítico que outros saberes não têm, como a autora americana afirma, constituindo aqui uma oportunidade de atualizarmos o relato-testemunho euclidiano que continua
a desafiar nossa “república de leitores”.

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ISSN 1808-4435